Lei Brasileira de Inclusão trouxe avanços no mercado de trabalho
| Fonte: Agência Brasil Foto: José Cruz |
A Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (LBI – Lei nº 13.146/2015) completou uma década no dia 6 de
julho, e, na opinião de especialistas, consolidou-se como um marco na garantia
de direitos e na promoção da inclusão social.
A pesquisadora do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Liliane Gonçalves Bernardes destaca
que a LBI consolida um modelo mais inclusivo de acesso ao mercado de
trabalho, pois é baseada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência da ONU (Decreto 6.949/2009).
Segundo ela, esse é um modelo
baseado em direitos humanos, e vai além apenas da obrigatoriedade de
contratação de pessoas com deficiência, prevista na Lei de Cotas (Lei
8.213/1991). A LBI determina que empregadores devem garantir
condições de acessibilidade no ambiente de trabalho, incluindo adaptações
razoáveis que não acarretem ônus desproporcional, aspectos que não
eram detalhados na Lei de Cotas.
“O conceito de deficiência também
é mais abrangente e holístico, pois considera não apenas a diferença corporal
ou mental como base para a caracterização da deficiência. É preciso considerar
as barreiras que a pessoa enfrenta em seu contexto, e o quanto a interação
entre a diferença corporal e as barreiras interfe na inclusão social
da pessoa com deficiência”, disse a pesquisadora.
Outro avanço importante é a
tipificação da discriminação contra pessoas com deficiência no trabalho como
crime, prevendo penalidades para práticas como recusa de contratação,
demissão injustificada ou negativa de promoção com base na deficiência, afirma
Liliane.
“A LBI também estimula o trabalho
com apoio, como a mediação de profissionais de apoio e tecnologias assistivas,
para manter a pessoa com deficiência no mercado de trabalho e seu
desenvolvimento profissional".
"Infelizmente, ainda há
muito a avançar na aplicação da lei e na redução do capacitismo, que leva os
empregadores e colegas de trabalho a considerarem as pessoas com deficiência
menos capazes”, destacou a pesquisadora do Ipea.
Empregabilidade em alta
Dados do Ministério do Trabalho
mostram que, entre 2009 e 2021, enquanto o mercado formal cresceu 18,26%, a
contratação de pessoas com deficiência aumentou 78,44%. Em 2024, mais de 27 mil
trabalhadores foram incluídos por meio de ações fiscais dos auditores do
trabalho.
Minas Gerais se destaca, com
60% das vagas reservadas para pessoas com deficiência preenchidas – acima da
média nacional (57,8%). O estado concentra 10% das empresas obrigadas a
cumprir a cota.
Segundo a auditora-fiscal do
trabalho e coordenadora estadual do projeto de inclusão de pessoas com
deficiência e reabilitados no mercado de trabalho do Ministério do Trabalho,
Patrícia Siqueira, a pasta é responsável pela fiscalização das cotas. As
empresas com 100 ou mais empregados devem ter entre 2% e 5% dos seus cargos
preenchidos por pessoas com deficiência ou reabilitados pelo INSS.
“Faltam auditores para dar conta
do número de empresas no Brasil. A gente tem 44 mil empresas sujeitas à cota.
Há um percentual de cumprimento da cota de 58%. Então, é preciso mais
fiscalização. Mas, mais do que fiscalização, precisa de uma mudança de postura
na sociedade".
"As empresas são reflexo da
sociedade. É preciso afastar os mitos de que pessoas com deficiência são
improdutivas, não têm qualificação. É dever da sociedade qualificar essas
pessoas, modificar os ambientes de trabalho para que elas possam estar no
mercado de trabalho”, disse Patrícia, que é representante do Sindicato Nacional
dos Auditores-Fiscais do Trabalho de Minas Gerais.
A LBI também trouxe mudanças na
CLT, como a flexibilização de regras para aprendizes com deficiência,
eliminando limite de idade e exigências rígidas de escolaridade. No entanto,
especialistas alertam que a inclusão de qualidade ainda é um desafio, exigindo
mais investimento em acessibilidade, capacitação e combate à
discriminação.
Um programa de aprendizagem foi o
caminho para Lidiane Leal, de 40 anos, se inserir no mercado de trabalho. Ela
nasceu sem as duas pernas e o braço direito e é recepcionista da
empresa Rede Cidadã, entidade de assistência social, em Belo Horizonte. Em seu trabalho, também
atende jovens aprendizes, alguns com deficiência.
“Entrei na Rede por meio de um
projeto de aprendizagem para PCD, em que fiquei como aprendiz um ano e
seis meses, entre outubro de 2022 e abril de 2024. Ao fim desse programa de
aprendizagem, a Rede Cidadã me contratou em julho de 2024. Já tem um ano que
estou aqui com carteira assinada”, conta.
Cadeirante, ela conta que, mesmo
incluída na empresa que a empregou, ainda precisa enfrentar a falta de
acessibilidade diariamente para se deslocar pela cidade e garantir seu
direito a sobreviver por meio do trabalho.
“Sei que as empresas têm que ter
a cota para deficiente. A empresa em que trabalho tem acessibilidade, banheiro
adaptado, porta de correr larga. Para os que são cegos, a dificuldade é enorme
para estar no mercado de trabalho. Minha dificuldade é o transporte público. É
muito difícil a acessibilidade”, diz Lidiane.
Direito à participação social
Segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, há uma diferença superior a 34 pontos
percentuais no nível de ocupação entre pessoas com e sem deficiência em
idade de trabalhar ─ mais de 14 anos. Enquanto a taxa de ocupação das
pessoas sem deficiência era de 60,7% em 2022, a das pessoas com deficiência era
de apenas 26,6%. Isso significa que apenas um quarto das pessoas com
deficiência estava trabalhando.
Na avaliação da pesquisadora do
Ipea, Liliane Bernardes, um dos principais desafios decorre do próprio modelo
capitalista, em que a busca pelo lucro, somada ao preconceito, contribui para a
marginalização das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
“Elas são frequentemente
percebidas como mais dispendiosas ou menos produtivas em comparação aos demais
trabalhadores. Soma-se a isso a dificuldade de inclusão de pessoas com
deficiências mais severas por meio da Lei de Cotas: muitas empresas acabam
contratando pessoas com deficiências leves, que exigem menos adaptações, e
rejeitam aquelas que demandam mais recursos”, afirmou a pesquisadora.
De acordo com Liliane, outro
desafio se relaciona à diversidade e complexidade da manifestação da
deficiência, com diversos níveis de dificuldade e barreiras diversificadas de
acordo com o tipo de deficiência o que requer estratégias diferentes para cada
pessoa, de acordo com sua singularidade.
“Entretanto, considerando o
direito à diferença plasmado nos tratados internacionais e na própria
legislação nacional, todos os grupos têm direito à participação social e deve
ser provido tratamento diferenciado para aqueles que dele necessitam, a fim de
se alcançar a igualdade de oportunidades para todos”, acrescenta Liliane.
Para ela, o poder público tem o
papel de regulamentar e aplicar legislações que contribuam para a inserção
efetiva das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. “Daí, a importância
da auditoria fiscal do trabalho, que fiscaliza o cumprimento da lei de cotas
nas empresas, embora a fiscalização ainda seja insuficiente em muitos
contextos”.
De acordo com a pesquisadora do
Ipea, outro ponto desafiador é a existência de serviços de reabilitação e
formação profissional que de fato façam a ponte entre a pessoa com deficiência
reabilitada ou capacitada profissionalmente e o mundo do trabalho. A
existência de um serviço articulado entre o sistema de seguridade social e o
mercado de trabalho poderia ser um grande catalisador da inclusão desse grupo
no trabalho, mas essas iniciativas ainda são escassas. “O acesso
precário ao mercado de trabalho acaba direcionando pessoas com deficiência à
busca de benefícios sociais, como o BPC”, completa.
Mudança de cultura
A vice-coordenadora nacional de
Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no
Trabalho do Ministério do Público do Trabalho, Fernanda Naves, ressalta que,
apesar de a lei ter dez anos de vigência, ainda há uma série de desafios em
relação à fiscalização do cumprimento das disposições, à ausência de políticas
públicas realmente eficientes, e também à dificuldade do engajamento social.
“Destaco que o principal desafio
é a chamada barreira atitudinal, que é o preconceito arraigado na nossa
sociedade de que as pessoas com deficiência seriam incapazes. Por isso, é
essencial a gente tentar mudar essa cultura por meio de campanhas, de
audiências públicas, ações afirmativas para integrar as pessoas com deficiência
ao mercado de trabalho, com a qualificação das pessoas com deficiência para que
possam alçar cargos de destaque dentro das organizações”, disse a procuradora
do trabalho.



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