Justiça condena dentistas após paciente descobrir broca alojada no crânio: 'Eu poderia morrer'
| Fonte: G1RJ Foto: Arquivo pessoal |
O que era para ser uma simples
extração dentária se transformou em um drama para Maria Cristina Soares, de 62
anos. Após meses de dor e exames, ela descobriu que parte de uma broca
cirúrgica havia ficado alojada em sua cabeça.
Em contato com o g1, Cristina contou
que poderia ter morrido por conta do erro médico, já que ela
ficou 4 meses com um objeto estranho na cabeça sem saber. Segundo outros
médicos consultados, o pedaço de metal de 1,2 cm poderia até
ter parado em seu pulmão, caso fosse aspirado.
"O mais grave não foi o erro
em si. Erros acontecem. O problema foi a negligência. Eu voltei várias vezes ao
consultório da doutora, fui atendida por ela em outras demandas, mas ninguém me
avisou nada. Fiquei 4 meses com a broca na face”, contou Maria Cristina.
“Eu sentia muita dor de cabeça
e não sabia o motivo. Mas os riscos eram sérios. Eu poderia ter aspirado a
broca e ela ir para o pulmão, ou ser engolida e perfurar o intestino”,
completou.
O caso terminou com a condenação
dos dentistas envolvidos, conforme decisão da 1ª Vara Cível da Barra da Tijuca,
proferida em 12 de maio de 2025.
O juiz Arthur Eduardo Magalhaes
Ferreira determinou o pagamento de R$ 8 mil por danos morais.
Contudo, diante da gravidade do caso, o advogado Daniel Blanck, responsável
pela defesa de Cristina, considerou o valor muito baixo e prometeu recorrer.
“Acreditamos que é possível
alcançar um valor mais justo, que reflita a gravidade do ocorrido e sirva de
exemplo para evitar que situações como essa se repitam".
"Em nenhum momento do
processo os réus negaram que a broca havia desaparecido. O juiz reconheceu que
houve responsabilidade subjetiva e entendeu que a conduta dos profissionais foi
omissiva e negligente", explicou Daniel.
Procedimento traumático
Em 23 de junho de 2022, Maria
Cristina procurou atendimento odontológico para extrair um dente que estava com
raiz fraturada.
O procedimento foi agendado com a
dentista Priscilla Bittencourt Palladino Monteiro, na Barra da Tijuca, mas, no
dia da cirurgia, quem realizou a extração foi o dentista Lucas Tetsuya Murai,
chamado por Priscilla para assumir o procedimento.
Embora não conhecesse o dentista
que realizou a extração, Cristina havia autorizado sua participação, confiando
na indicação da doutora Priscilla.
O problema começou durante o
procedimento, quando a broca utilizada quebrou e desapareceu. Cristina
ouviu deitada na cadeira que o dentista comentou com Priscilla que não
conseguia localizar a broca desaparecida.
"Durante o procedimento, ele
demonstrou preocupação porque não estava encontrando a broca. A secretária
chegou a entrar na sala para ajudar a procurar, achando que poderia ter caído
no chão. A dentista, no entanto, desviou o assunto, minimizou a situação e
disse que a broca poderia ter sido sugada ou ido para o lixo”, contou a
paciente.
De acordo com o relato de
Cristina, o dentista Lucas se mostrou preocupado com o sumiço do objeto, mas
que toda vez era silenciado por Priscilla.
"Ela me tranquilizou, mas não
pediu nenhum raio-x para verificar se a broca poderia ter ido para outra parte
do meu rosto. A broca foi como uma flecha e acabou alojada atrás do meu nariz.
Mas eu não sabia.", lembrou.
Forte dor de cabeça durante
viagem
Cristina contou que a extração do
dente foi extremamente traumática, deixando hematomas e dores.
Contudo, ela achou que fosse normal, visto que o dente que ela precisou retirar
estava com a raiz quebrada.
Sem desconfiar que estava com um
objeto metálico na cabeça, ela retornou ao consultório para outro procedimento
em julho daquele ano.
"Não foi uma extração
normal, mas ela disse que era por causa da raiz quebrada. Comecei a sentir
dores parecidas com sinusite, dor de cabeça, dor ao redor do olho. Mas nunca
associei à cirurgia", lembrou.
"Mesmo depois disso, voltei
lá para extrair outro dente, do lado direito, com os mesmos profissionais. Foi
traumático de novo, mas achei que fosse normal", disse Cristina.
Sem saber do problema grave,
Cristina fez uma viagem à Europa e foi em Portugal que ela percebeu que alguma
coisa não estava bem.
Em setembro, ainda com dores e
insegura, Maria Cristina procurou outro profissional. Um raio-x
panorâmico revelou um objeto metálico na região da maxila. Tomografias
realizadas nos dias 20, 22 e 27 de setembro confirmaram a presença de um corpo
estranho metálico de 1,2 cm na nasofaringe — região posterior do nariz.
"Viajei para Portugal por
uns 20 dias e comecei a sentir muita dor. Ninguém falava nada sobre a broca. Eu
estava completamente ignorante sobre o que estava acontecendo. Quatro meses
depois, procurei meu dentista antigo, na Tijuca. Ele pediu um raio-x panorâmico
e, na hora, viu a broca", relatou.
Cirurgia frustrada
Após a identificação do objeto,
seu dentista de confiança orientou que Cristina procurasse um cirurgião
bucomaxilofacial. O especialista indicou a necessidade de cirurgia com
anestesia geral para remoção do objeto.
Durante a cirurgia, o médico
utilizou aparelho de vídeo endoscopia para procurar a broca dentro do lado
esquerdo da face, próximo aos ossos. A cirurgia, que deveria levar menos
de 1 hora, durou quase 3 horas.
Apesar da busca com vídeo
endoscopia e da ajuda de outros cirurgiões chamados durante o procedimento, a
broca não foi localizada pelo cirurgião.
"Depois, fiz tomografias do
corpo inteiro para ver se a broca tinha se deslocado. Fiz muitos exames,
inclusive raio-x de todo o corpo e nada", disse.
Uma tomografia do crânio
realizada em 25 de outubro de 2022 constatou que o corpo estranho metálico
"Não mais se observa (...) na fossa nasal esquerda". O exame indicou
que o objeto foi removido, apesar de não ter sido visualizado ou
retirado diretamente pelo cirurgião.
Cristina lembra que o
pós-operatório foi extremamente doloroso. A paciente relatou ainda que
teve medo de que o objeto ainda estivesse em seu corpo.
Condenação
Em sua decisão, o juiz Arthur
Eduardo Magalhaes reconheceu que, embora a responsabilidade dos profissionais
liberais dependa da comprovação de culpa, a presença do corpo estranho após a
cirurgia era um fato incontestável.
A quebra da broca não foi negada,
e o magistrado entendeu que os profissionais deveriam ter tomado todas as
providências para localizar o objeto.
Ambos os dentistas foram
considerados responsáveis, inclusive Lucas, que, em seu depoimento à Justiça,
tentou se eximir por não ser o titular do atendimento.
A sentença determinou o
pagamento de:
- R$ 1.240 mil por danos materiais;
- R$ 8 mil por danos morais;
- e despesas processuais e honorários advocatícios
de 10% sobre o valor da condenação.
O juiz destacou ainda que os
danos morais ultrapassaram o mero aborrecimento, considerando a dor, o
sofrimento, a idade da paciente e os riscos à sua saúde.
O que dizem os citados
Em nota, a dentista Priscilla
Bittencourt Palladino Monteiro informou que "o procedimento mencionado na
ação judicial foi realizado por outro profissional especializado da equipe, e
reitera que não há qualquer conduta imprópria ou falha técnica atribuível à
Dra. Priscilla".
"Durante todo o
atendimento, foram adotadas as medidas adequadas de segurança, com realização
de exames, acompanhamento contínuo e total suporte à paciente. A atuação da
Dra. Priscilla sempre foi pautada pela ética, responsabilidade e zelo
profissional, tanto assim é verdade que a paciente realizou diversos outros
tratamentos, assim como outros familiares da paciente".
"Embora tenha havido uma
sentença de primeira instância, a sentença ainda não transitou em julgado e
será objeto de recurso, no momento oportuno. A defesa confia plenamente na
reversão do julgado e acredita que, ao final do processo, a verdade prevalecerá
e a Justiça será feita".
Até a última atualização desta
reportagem, o dentista Lucas Tetsuya Murai não respondeu aos contatos feitos
pela equipe do g1.



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