Cortes de verba no combate ao HIV podem causar explosão de casos e milhões de mortes, diz estudo
Fonte: G1 Foto: Fábio Silva/Secretaria de Saúde de Contagem/Arquivo
Um novo estudo publicado na revista The Lancet HIV alerta que cortes na ajuda internacional podem anular décadas de progresso no combate ao HIV/AIDS, levando a um aumento significativo de infecções pelo vírus e de mortes relacionadas à doença.
Segundo a análise, a redução do
financiamento internacional pode resultar em até 10,8 milhões de novas
infecções e 2,9 milhões de mortes até 2030.
Os impactos mais graves devem ser
sentidos em países de baixa e média renda, especialmente na África
Subsaariana, onde programas financiados por iniciativas
internacionais, como o Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio
da AIDS (PEPFAR), são responsáveis por grande parte do acesso a tratamentos
antirretrovirais, testagem e prevenção do HIV.
Esses programas fornecem serviços
essenciais, como terapia antirretroviral (TARV), testes de HIV e infraestrutura
laboratorial. Além disso, auxiliam no fortalecimento dos sistemas de saúde, no
treinamento de profissionais e na integração com outros serviços, como
prevenção e tratamento da tuberculose e atendimento materno-infantil.
Os impactos dos cortes no
financiamento
Desde 2015, os doadores
internacionais contribuíram com aproximadamente 40% de todo o
financiamento do HIV em países de baixa e média renda. Cinco países —
EUA, Reino Unido, França, Alemanha e Holanda — representam mais de 90%
desse financiamento global. No entanto, esses governos anunciaram cortes
substanciais, que podem reduzir em 24% os recursos internacionais
destinados ao combate à AIDS até 2026.
Os EUA, maior contribuinte para a
ajuda externa, suspenderam temporariamente todo o financiamento
internacional em janeiro de 2025. A agência da ONU para a luta contra a
AIDS (UNAIDS, na sigla em inglês) alertou que, caso os financiamentos não sejam
restaurados ou substituídos, até duas mil novas infecções por HIV podem
ser registradas por dia no mundo.
“Essa retirada repentina do
financiamento norte-americano levou ao fechamento de várias clínicas e à
demissão de milhares de trabalhadores da saúde (...). Tudo isso significa que
esperamos um aumento nas novas infecções”, declarou Winnie Byanyima, diretora
executiva da UNAIDS.
Ainda em janeiro, logo após a
decisão do governo de Donald Trump, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
ressaltou que a
medida põe em risco a vida de mais de 30 milhões de pessoas ao redor do mundo que
dependem desses programas para acesso a terapias antirretrovirais essenciais.
"Essas medidas, se
prolongadas, podem levar ao aumento de novas infecções e mortes, revertendo
décadas de progresso e possivelmente levando o mundo de volta aos anos 1980 e
1990, quando milhões morriam de HIV a cada ano, incluindo muitos nos Estados
Unidos", afirmou a OMS em nota.
Debra ten Brink, coautora do
estudo publicado na The Lancet HIV, reforça: "É fundamental garantir
financiamento sustentável e evitar o ressurgimento da epidemia de HIV que pode
ter consequências devastadoras, não apenas em regiões como a África Subsaariana,
mas globalmente".
Retrocesso nos avanços contra
o HIV
Além do impacto imediato no
fechamento de clínicas e na testagem, os cortes ameaçam reverter os avanços
conquistados nas últimas décadas. A análise de modelagem matemática
considerou diferentes cenários de redução do financiamento em 26 países.
No pior deles, caso os cortes se mantenham e o PEPFAR seja descontinuado sem
substituição, estima-se que:
- o número de novas infecções aumente entre
1,3 e 6 vezes entre populações vulneráveis, como usuários de drogas
injetáveis, trabalhadores do sexo e homens que fazem sexo com homens;
- entre 770 mil e 2,9 milhões de pessoas
podem morrer por complicações do HIV/AIDS;
- programas de prevenção, como a distribuição
de preservativos e oferta de profilaxia
pré-exposição (PrEP), serão interrompidos primeiro,
seguidos por testagem e tratamento.
De 2010 a 2023, países que
receberam apoio do PEPFAR ou de outras iniciativas externas reduziram, em
média, 8,3% das novas infecções por ano e 10,3% das mortes relacionadas
ao HIV.
"Se essa tendência
continuar, muitos países estarão no caminho certo para cumprir as metas globais
de eliminar o HIV/AIDS como uma ameaça à saúde pública por volta de 2036",
afirmam os autores.
No entanto, se a ajuda externa
for reduzida ou o PEPFAR for descontinuado, os pesquisadores alertam que as
infecções e mortes podem retornar aos níveis de 2010, anulando completamente os
avanços desde o ano 2000.
Mesmo que o financiamento seja
restaurado após 12 a 24 meses, as infecções podem se estabilizar em níveis
semelhantes aos de 2020, exigindo mais 20 a 30 anos de investimentos para que o
HIV/AIDS deixe de ser uma ameaça à saúde pública.
Nick Scott, autor do estudo,
ressalta que o financiamento doméstico dos programas de HIV precisa crescer. No
entanto, essa transição exige planejamento estratégico e não acontece do dia
para a noite.
"Nosso estudo destaca o
quanto a colaboração e o investimento internacionais foram fundamentais para
manter o progresso contra o HIV", diz.
Os pesquisadores destacam algumas
limitações do estudo, como a incerteza sobre o futuro do financiamento
internacional para o HIV, incluindo o programa PEPFAR, e a possibilidade de
medidas para mitigar os cortes. Além disso, os dados foram analisados em 26
países e depois projetados para outras nações de baixa e média renda, o
que pode não refletir com precisão todas as realidades.
Eles também alertam que os
impactos podem ser ainda mais graves do que os estimados, especialmente na
África Subsaariana, onde problemas na cadeia de suprimentos e na infraestrutura
de saúde podem agravar a crise.



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