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“Às vezes querem ser mães, mas não suportam ideia do parto ou de engravidar”: entenda o que é tocofobia

Fonte: TV Cultura Foto: Reprodução Freepik

 

Mulheres que fazem o uso correto do anticoncepcional e ainda assim tomam a pílula do dia seguinte; que têm relação sexual com dois preservativos mais o uso da pílula; que fazem diversos testes de gravidez após a relação, mesmo estando protegida; até aquelas que evitam ter relações. Esses são alguns relatos comuns de mulheres com tocofobia, que é a fobia de engravidar ou do parto.

Apesar de muitas mulheres não desejarem ter filhos ou terem algum receio de engravidar, mesmo usando métodos contraceptivos, a fobia vai além disso e pode impactar significativamente a rotina dessas mulheres.

Em entrevista à TV Cultura, a psicóloga voluntária do Programa Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, Sheila Medeiros, diferencia esse pânico do simples desejo de não ter filhos.

“O principal fator que distingue é o nível de sofrimento. A pessoa, quando ela simplesmente decide por não ter filho, na maior parte das vezes, não existe angústia; isso é muito claro para ela. Ela pode ver mulheres grávidas, assistir a um filme de parto, receber os sobrinhos em casa, ter contato com gestantes e puérperas e isso não traz sofrimento. Não é uma decisão pautada por um medo, um pavor – na tocofobia existem esses fatores. Ela se angustia só de pensar, e muitas vezes até há uma ambivalência: elas querem ser mães, mas não suportam a ideia de engravidar, ou a ideia do parto”, esclarece a psicóloga.

O termo, que vem do grego tokos (parto) e phobos (medo), passou a ser discutido na literatura médica no início dos anos 2000, depois de ter sido classificado em um artigo científico do The British Journal of Psychiatry, da Universidade de Cambridge, no mesmo período.

Depois disso, em 2013, a tocofobia se encaixou, a partir de critérios diagnósticos, como uma fobia específica no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). O documento é um guia publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) que classifica os transtornos mentais e estabelece critérios para seu diagnóstico.

No entanto, a condição não aparece no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças - 10ª revisão), sistema de codificação padronizado desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para classificar doenças, condições de saúde, lesões e outros problemas relacionados à saúde. Tanto médicos quanto psicólogos utilizam ambos os documentos como referência para auxiliar no diagnóstico de transtornos mentais.

Para Sheila, a fobia passou a ser discutida por influência da psicoeducação e por conta dos diagnósticos que passaram a ser mais específicos e cuidadosos ao longo do tempo.

“Eu acho que na realidade, isso sempre existiu, mas nunca foi olhado. O medo e a fobia já foram considerados como histeria; hoje, nós temos uma série de possibilidades de diagnóstico que antes eram classificados como histeria. Então, eu acredito que essas mulheres que não queriam ter filhos, ou entravam em um estado de ansiedade muito grande por conta do parto, com certeza eram tratadas como histéricas. Se pensarmos nas mulheres antigamente, se morria muito no parto, não tinha recurso. Hoje em dia, tanto a psicoeducação, como as parteiras, doulas, que têm um acompanhamento mais próximo, trazem uma segurança maior para a mulher”, diz.

O artigo do British Journal of Psychiatry elenca a tocofobia em dois níveis: a primária, que acomete mulheres que nunca engravidaram; e a secundária, que é o medo do parto, geralmente se manifesta após um evento traumático ou experiência negativa durante o trabalho de parto.

Os casos de tocofobia normalmente são diagnosticados de forma clínica e podem acontecer de maneira multiprofissional, com psicólogo, psiquiatra e até ginecologistas ou obstetras. Já o tratamento da fobia é através da psicoterapia, e em alguns casos, quando o medo acomete demais a vida da paciente, pode ser necessário o tratamento psiquiátrico em conjunto.

“Só através da terapia, da contestação dos pensamentos disfuncionais, da sensibilização sistemática, que são técnicas da TCC (terapia cognitivo-comportamental), muitas vezes a gente consegue ter um excelente resultado. Mas nos casos mais graves, onde às vezes até se mistura com outros diagnósticos, que são comorbidades, aí pode ser necessária a medicação”, explica Sheila.

Além disso, frequentemente, casos que viralizam na mídia de mulheres que engravidaram mesmo usando um método contraceptivo, podem ser um gatilho para quem tem a fobia. Apesar desse tipo de situação ser uma exceção, nenhum método contraceptivo é 100% eficaz. Atualmente, um dos métodos com maior eficácia é o implante contraceptivo hormonal, ou implanon, que passará a ser oferecido pelo SUS e tem taxa de falha de 0,05%.

“Na maior parte das vezes, essas pessoas que têm uma fobia muito grande de engravidar entram em pânico achando que isso também pode acontecer com elas. Elas não veem esses casos como sendo únicos, específicos, e sempre acham que aquilo vai acontecer com elas. Claro, a gente sabe que o DIU (dispositivo intrauterino) pode sair do lugar, por exemplo, a gente pode engravidar mesmo fazendo uso de algum método contraceptivo. Não existe um método 100% eficaz”, ressalta a psicóloga.

Sheila também esclarece que muitos fatores podem desencadear um processo psíquico até chegar na tocofobia, desde uma educação repressora, até uma gestação ou parto traumático.

Por fim, ela atenta para o diálogo, principalmente com ginecologistas, não só como uma forma de evitar combinações de métodos contraceptivos que são desnecessárias e podem até ser prejudiciais para o corpo, mas também de identificar um possível caso de tocofobia.

“Eu acho que o conhecimento é a base de tudo. Converse com a ginecologista, principalmente essa parte hormonal do método, para ter uma melhor escolha de qual você vai fazer uso, ou a combinação dos métodos. E se é algo que está trazendo algum tipo de sofrimento, angústia, que sai daquilo que é tido como normal, é ideal buscar ajuda. Procurar um psicólogo para fazer uma avaliação, ver se realmente é necessário um acompanhamento psicológico, ou em conjunto com algum outro”, esclarece.



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