Pesquisadores da USP testam técnica que diagnostica câncer em amostras de saliva e urina
Pesquisadores da Faculdade de
Ciências Famarcêuticas de Ribeirão Preto (FCRP) da Universidade de São Paulo
(USP) desenvolveram uma técnica para diagnosticar o câncer a partir da análise
de amostras de saliva e urina.
As amostras são analisadas em
laboratório para identificar alterações nos perfis de compostos orgânicos
voláteis, que formam uma espécie de “impressão digital” da doença.
O método, ainda experimental,
pode vir a ser uma alternativa menos invasiva e mais barata para diagnosticar
as diversas formas da doença futuramente.
“Quanto mais cedo a doença for
detectada, maiores são a chance de um tratamento efetivo ser iniciado”, explica
o farmacêutico e bioquímico Bruno Ruiz Brandão da Costa, um dos autores da
pesquisa. “Só que tem um problema: no câncer, principalmente nos estágios
iniciais, é muito difícil você ter sintomas específicos da doença”.
Apesar da importância de um
diagnóstico precoce aumentar as chances de cura, os custos com equipamentos e
exames utilizados para detectar a doença e as filas no Sistema Único de Saúde
(SUS) podem atrasar a descoberta do câncer e, consequentemente, dificultar o
tratamento.
Por isso, a técnica traz uma
perspectiva otimista no combate à doença.
“O nosso método de coleta de
saliva, se não me engano, um entre oitenta pacientes reclamou. E de urina
também, a coleta é simples e não invasiva, então o desenvolvimento desse tipo
de método é muito importante”, pontua Costa.
Início da pesquisa
Segundo Costa, a linha de
pesquisa surgiu quando o orientador do estudo, o professor Bruno Spinosa,
percebeu que um parente com câncer suava bastante. O professor passou a
investigar se haveria substâncias no suor do paciente relacionadas à doença.
Quando Costa ingressou no
doutorado, a pesquisa se voltou para outras amostras biológicas facilmente
coletadas: a saliva e a urina. O trabalho, que rendeu um artigo publicado na
revista científica Journal of Breath Research, estuda as possíveis alterações
que o câncer provoca em substâncias químicas produzidas naturalmente pelo corpo
humano chamadas de compostos orgânicos voláteis (VOCs).
Em pacientes com câncer, pode
haver o surgimento de novos VOCs ou alteração na concentração dos compostos.
Essas mudanças de perfil podem ser detectadas por meio de análises químicas.
O objetivo da pesquisa foi
comparar o perfil dos VOCs de pessoas saudáveis com os de pacientes com câncer.
Apesar do equipamento utilizado no estudo não distinguir quais substâncias
estão sendo analisadas, a análise de perfil já rendeu resultados animadores
para os pesquisadores: os índices chegam a 84,8% de sensibilidade e 88,33% de
especificidade.
Os pesquisadores escolheram
trabalhar com análises de amostras de pacientes com câncer de cabeça e pescoço
e câncer gastrointestinal, duas das formas mais comuns da doença. O material
foi coletado dos ambulatórios da área de Oncologia Clínica do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina (HC-FMUSP) de Ribeirão Preto.
O processo
As amostras eram colocadas em um
frasco que era fechado, aquecido e agitado. As substâncias que eram de
interesse dos pesquisadores são voláteis e, portanto, elas passavam para a fase
de vapor, onde eram analisadas.
O equipamento separava os
compostos, que geravam um sinal chamado de “pico”. O conjunto de picos é
chamado de “cromatograma” que, por sua vez, permite que os pesquisadores
comparem os perfis para verificar as diferenças entre amostras saudáveis e de
pessoas com câncer e identificar a “impressão digital” da doença.
O estudo também avaliou dados de
apenas um material biológico e também de amostras híbridas, ou seja, combinando
as amostras de saliva e de urina. Confira os resultados:
- Nos modelos individuais, ou seja, que analisaram apenas uma amostra, a urina se destacou como a melhor opção para detectar câncer de cabeça e pescoço. Os índices foram de 84,8% de sensibilidade e 82,3% de especificidade. Já para detectar o câncer gastrointestinal, a amostra de saliva teve os melhores resultados: a taxa de sensibilidade foi de 78,6% e 87,5% de especificidade.
- Nos modelos híbidros, que analisam uma combinação das duas amostras, o câncer de cabeça e pescoço obteve índices de 75,5% de sensibilidade e 88,3% de especificidade. O câncer gastrointestinal teve índices de, respectivamente, 69,8% e 87%.
De acordo com Costa, existe a
possibilidade de que determinadas amostras sejam mais eficazes para detectar
certos tipos de câncer. “As substâncias voláteis presentes na saliva não são
iguais necessariamente às substâncias voláteis presentes na urina”, explica o
farmacêutico bioquímico.
Por isso, a combinação de duas
amostras contribuem para a diferença dos índices do modelo híbrido em relação
ao modelo único. Apesar disso, o pesquisador afirma que os índices mais baixos
não significam que um tipo de amostra não seja adequado para detectar a doença.
“No câncer gástrico, por exemplo,
a gente não conseguiu bons resultados para análise de urina. Isso não quer
dizer dizer que a urina não seria uma boa matriz, porque o nosso número de
voluntários foi bem restrito”, explica Costa.
Próximos passos
Além de ampliar o número de
voluntários, Costa destaca que seria interessante analisar a eficácia do método
em diferentes grupos de pessoas.
“Comparar em mulher, homem,
pessoas fumantes, não fumantes, que bebem ou não”, exemplifica. “O nosso grupo
foi mais restrito, mas sim, foram resultados bem interessantes”.
O pesquisador destaca também a
possibilidade de outros laboratórios, que contam com outros tipos de
equipamentos, testarem o método para ver se os resultados são semelhantes.
Depois disso, seria preciso validar e analisar em uma rotina clínica.
O farmacêutico não descarta que a
pesquisa possa dar origem a outros estudos que, futuramente, possam desenvolver
meios de detectar o câncer em exames de rotina, por exemplo.
“Talvez possa existir alguma
técnica derivada da que a gente utilizou que seja ainda mais simples e barata,
e que depois seja implementada. Porque na pesquisa, uma coisa puxa a outra. Na
ciência, nada se faz sozinho”.
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