Brasil| Empregada doméstica vira juíza: estudou com livros do lixo
Na
cidade grande, a moça da roça, que teve 4 irmãos, foi empregada doméstica e
chegou a dormir oito meses em um ponto de ônibus, porque não tinha onde passar
a noite. Enfrentou o frio e o perigo da capital mineira.
“Nos
primeiros dias tive que ficar na casa de parentes, fingindo que estava de
passeio. Fiquei um período, mas chegou um momento que ficou insustentável, não
dava para ficar de favor. Tive que me arrumar. Arrumei um emprego de empregada
doméstica, mas a patroa não gostava que a funcionária dormisse na casa dela,
porque ela achava que tirava a liberdade dos donos da casa. Para não ser
obrigada a retornar para o interior, para a roça, e ter que abrir mão do meu
sonho de fazer um curso superior e trilhar um caminho diferente daqueles que
moravam na minha terra, eu mentia para minha mãe que dormia na casa da patroa e
fingia para a patroa que dormia na casa de parentes. Mas na verdade eu não
dormia na casa de ninguém porque eu não tinha onde morar. Eu passava a noite
sentada fingindo que estava esperando ônibus. Como era um ponto muito
movimentado, dava para enganar”.
Apostilas do lixo
Para
conseguir aprovação em seu primeiro concurso, de oficial de justiça do Tribunal
de Justiça de Minas, ela catava, no lixo, folhas borradas de um mimeógrafo onde
eram feitas apostilas de um cursinho preparatório.
“Eu
vi a secretária descartando algumas folhas, que ela passava no mimeógrafo e
jogava fora. Peguei e percebi que dava para ler, apesar das folhas borradas.
Aquele dia eu catei algumas e a partir daí, eu passei a ir rotineiramente na
sede do cursinho. Hoje, relembrando essa história, eu desconfio que aquela
secretária, cujo nome não sei e nunca mais a vi, percebeu que eu estava pegando
aquelas folhas porque as folhas borradas passaram a ficar em uma lixeira seca,
sem copinhos de café. E aí eu fui catando aquelas folhas e estudando, o que foi
suficiente para eu fazer uma pontuação boa na tal noção de direito. Com isso,
eu consegui, junto com as boas notas em matemática e português, o terceiro
lugar no concurso”, lembra.
Ajudar
Hoje,
aos 52 anos, casada, a juíza procura fazer a diferença por onde passa. Ela
ajuda projetos sociais com crianças em Lauro de Freitas, Bahia, onde exerce o
cargo de juíza da 1ª Vara Criminal da cidade.
Dra
Antônia também desenvolveu um projeto voltado para o resgate da cidadania dos
carvoeiros e de seus familiares da cidade de Mucuri, na Bahia, ganhando prêmio
no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“A
minha história de superação serve para eu ter a certeza de que, com a minha
profissão, eu tenho que dar espaço para quem não tem espaço”, pontua.
Leia
parte da entrevista concedida ao portal Gazeta online:
Dedicação
“Sempre
gostei de estudar. Fui alfabetizada pela minha mãe com 4, 5 anos e sempre fui
adepta da leitura. Ela sempre dizia uma frase que eu repito para os meus
sobrinhos: quem tem a cama feita pode se contentar com o razoável. Quem não tem
a cama feita, deve ser muito bom no que faz”, conta.
Orgulho da família
“Tive
a oportunidade de ouvir muitas vezes o orgulho dos meu pais de ver a filha
formando. Sempre ajudava muito meus pais e irmãos. Meu pai chegou a verbalizar
a alegria, principalmente porque havia aquele temor de que a menina fosse para
a capital e se envolvesse com coisas erradas, voltando inclusive com um filho
sem pai. E minha família era muito tradicional e simples do interior. Meu irmão
Edésio, mais velho depois de mim, já falecido em um trágico acidente no
Espírito Santo, sempre dizia que a minha história era um marco. Eu fui uma das
poucas da minha geração que fez a faculdade naquele tempo. Eu rompi uma
barreira”.
Abençoada
“A
mulher Antônia Marina Faleiros é uma mulher abençoada, de uma família
abençoada, e que teve sorte de encontrar pessoas de bem pelo caminho.
Considerando a história de vida,tudo que eu passei, eu dei um salto que eu
gosto de sempre reprisar para firmar que isso é possível: a filha de um
trabalhador braçal semi-analfabeto e de uma dona de casa simples, que passou
por todas essas histórias, que conheceu o creme dental com 11 anos, que teve
que trabalhar cedo, pode estudar e chegar aonde quer. Todos nós podemos”.
Lição
“Conto
brevemente a reação da minha mãe quando contei para ela que tinha passado em
terceiro lugar no concurso de oficial de justiça. Ela me indagou: ‘a prova
estava tão difícil assim?”. Ainda rebati e disse: ‘Mãe, pense bem, quantas
pessoas ficaram para trás?’. E ela me disse assim: ‘você já viu corredor olhar
para trás? Corredor olha para frente’. Então eu digo sempre isso: temos que
olhar para frente e não para as dificuldades que passamos. É pensar no quem tem
que ser alcançado, é ter disciplina e meta”.
“Gosto
de contar essa história para reafirmar: a filha de uma dona de casa simples e
de um trabalhador rural pode sim alcançar o que quer. Todos nós podemos”, se
orgulha ela.
Com
informações do GazetaOnline e AmoDireito


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