Lenacapavir: entenda o diferencial do novo tratamento para prevenir HIV
| Fonte: CNN Brasil Foto: Getty Images |
Estima-se que quase 40 milhões de
pessoas vivem com o vírus HIV no mundo. Só em 2023, 1,3 milhão de novos casos
foram identificados, segundo as estimativas mais recentes do Programa Conjunto
das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). Apesar dos avanços no tratamento nas
últimas quatro décadas, novas estratégias se fazem necessárias.
A mais nova promessa é o lenacapavir, aprovado em junho pela Food and Drug
Administration (FDA), nos Estados Unidos, como mais uma alternativa de
profilaxia pré-exposição (PrEP) ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador da Aids. A decisão foi tomada após análise de
dois ensaios clínicos de fase 3 que apontaram uma eficácia de 99,9% na
prevenção da infecção.
Desenvolvido pela farmacêutica
Gilead Sciences, sediada nos EUA, o lenacapavir já era comercializado no país
norte-americano desde 2022, mas indicado apenas para pessoas infectadas com
resistência a antirretrovirais comuns.
O medicamento atua por um
mecanismo diferente: enquanto a maioria dos antirretrovirais interfere na
produção do material genético do HIV, o lenacapavir impede a formação do
chamado capsídeo, estrutura que guarda o RNA do vírus e possibilita sua entrada
no interior das células. Ao bloquear esse processo, o HIV é impedido de se replicar,
o que mantém a infecção controlada.
Projetado para ser armazenado no
tecido adiposo do usuário (sobretudo no abdômen, onde a injeção é geralmente
aplicada), o lenacapavir é liberado de forma lenta no organismo, garantindo sua
ação por até seis meses. Após esse período, é necessária apenas uma nova
aplicação para manter o efeito protetor.
Diante dos bons resultados no
tratamento, a Gilead decidiu testar o medicamento também como ferramenta de
prevenção. Cinco ensaios clínicos estão em andamento, sendo que dois deles –
PURPOSE 1 e PURPOSE 2 – já apresentaram resultados preliminares.
O PURPOSE 1 acompanhou
2.134 mulheres cisgênero na África do Sul e em Uganda, com eficácia de 100% na
prevenção do HIV entre as voluntárias. Já o PURPOSE 2 incluiu
2.179 homens e mulheres nos EUA, Argentina, México, Peru, Porto Rico, África do
Sul, Tailândia e Brasil, e registrou apenas dois casos de infecção pelo HIV,
indicando eficácia de 99,9%.
“A grande vantagem do lenacapavir
é a sua posologia [forma de uso]. A adesão ao tratamento preventivo é
facilitada, à medida que ele exige apenas duas doses de uma injeção, espaçadas
por seis meses cada”, explica o infectologista Moacyr Silva Junior, do Einstein
Hospital Israelita. “A PrEP usual depende que o usuário tome um comprimido
diário para se manter protegido. Caso a pessoa esqueça ou não consiga tomar sua
dose, ela pode ficar mais suscetível à infecção”.
O médico destaca, no entanto, que
os estudos utilizados pela FDA contam com uma amostra relativamente pequena. “É
possível que, em uma aplicação populacional real, essa taxa de eficiência seja
um pouco menor do que os 99,9% obtidos nos ensaios”, alerta.
Chegada do lenacapavir ao
Brasil
O lenacapavir ainda não está
disponível no mercado nacional. No último dia 3 de abril, a Gilead divulgou que havia enviado o pedido de registro
à Anvisa. Em nota enviada à Agência Einstein, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) disse: “Existem dois pedidos de registro de produto contendo
o referido ativo. Um na forma farmacêutica solução injetável e o outro na forma
farmacêutica de comprimidos.”
Embora ambos os usos estejam
sendo tratados como “prioritários”, a solicitação inicial para o lenacapavir
não incluía a indicação como PrEP. Isso significa que a decisão sobre a ampliação do uso
para a profilaxia pré-exposição poderá levar mais tempo do que a liberação para
pacientes com histórico de tratamento intensivo e resistência a múltiplas
classes de antirretrovirais, já que a análise só poderá avançar após o registro
ser concedido.
Para Moacyr Silva, a aprovação do
lenacapavir por aqui é apenas uma questão de tempo. “O Brasil tem um programa
de IST/Aids bastante robusto, então, acredito que esse produto deve chegar em
breve no nosso rol de medicamentos tanto para uso no coquetel de tratamento
quanto para a prevenção do vírus”, afirma o infectologista.
Desde 2018, a PrEP é oferecida
gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mediante acompanhamento médico
regular. Dados do Painel PrEP, do Ministério da Saúde, mostram que cerca de
165.473 pessoas utilizaram pelo menos uma dose dos medicamentos preventivos em
2024. Para efeito de comparação, em 2020 esse número era de 26.585, o que
representa um aumento de 522%.
O número de municípios que
oferecem a PrEP também cresceu: em 2020, 177 cidades disponibilizavam os
medicamentos preventivos; quatro anos depois, já eram 659. Embora a maioria dos
usuários sejam homens cisgênero homoafetivos (81%), a PrEP também é utilizada
por homens cis heterossexuais (7,9%), mulheres cis (6,1%), mulheres trans
(2,7%) e homens trans (1,6%). Em relação à faixa etária, o grupo predominante
está entre 30 e 39 anos (42,3%), seguido por pessoas de 25 a 29 anos (22,2%) e
de 40 a 49 anos (18%).
Preço é ponto de atenção
Uma das preocupações em relação
ao lenacapavir é o preço do medicamento. Em reportagem publicada no último dia
18 de junho, o The New York Times revelou que a profilaxia pré-exposição com a
droga terá o valor de US$ 28.218 nos Estados Unidos, segundo informou a Gilead
ao jornal.
Contudo, em nota divulgada na mesma data, a fabricante disse que, nos
EUA, “está trabalhando em estreita colaboração com seguradoras, sistemas de
saúde e outros pagadores com o objetivo de garantir uma ampla cobertura de
seguro para o Yeztugo [nome comercial do lenacapavir no país]. Em comunicado, o Unaids ressalta que, por mais revolucionário
que seja, o produto precisa ser acessível à população para garantir uma chance
real de acabar com o vírus.
Há, no entanto, caminhos para
contornar esse impasse. “É comum que, logo que uma medicação nova surge, seu
valor de produção seja bastante elevado. Por isso, também é uma prática comum
investir na sua quebra de patente, permitindo o desenvolvimento de medicamentos
genéricos, de valor mais acessível”, observa o especialista do Einstein. No
Brasil, isso já foi feito no passado com o antirretroviral efavirenz.
Um estudo ainda não revisado por pares divulgado pela revista The
Lancet indica que versões genéricas do lenacapavir poderiam reduzir o
preço anual por pessoa para valores entre US$ 35 e US$ 46. O avanço na
tecnologia de produção e o aumento da demanda poderiam ainda baixar o custo
para US$ 25 por pessoa ao ano.
“Junto das estratégias de
prevenção combinada, como o uso de preservativos e as testagens regulares, a
PrEP revolucionou o combate ao HIV e à Aids. Por isso, acredito que a adição do
lenacapavir pode ser bastante promissora na redução do problema e na promoção
do bem-estar daqueles que convivem com a infecção”, avalia Moacyr Silva.



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